quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Pau Grande - Seu filho Querido

Estamos às portas da Copa, nesta Sexta feira (04/12) saberemos quem vamos confrontar na copa 2010. Então para falar de futebol, quero contar um causo real de nosso querido Mané, figura tupiniquim representante do nosso real futebol.

Breve resumo do causo: Primavera Clube, foi um clube situado numa cidadezinha próximo ao Rio de Janeiro. Tão pequena e tão falida que a única fabrica que existia lá, empregava praticamente todos os moradores. Para amenizar a falência seu ex-dono resolveu deixar a estrutura pro povo fazer um clube e se divertir com alguma coisa. Visto que neste período nem menino nascia fazia 7 anos. Devido à criação do clube, e as peladas criadas, foi surgindo ai um verdadeiro Campeão de Várzea. O time do Primavera Clube, era nos anos de 50 o maior campeão invicto em mais de 40 partidas. Não perdia nem pros reservas do Botafogo e Vasco que lá treinavam algumas vezes. Tava tão famosa na época que nenhum clube mais da região conseguia abatê-los.

Até que um time da cidade de Pau Grande resolveu chamá-los pra uma disputa dominical, daí desenrola a história a seguir. :

"Estádio lotado. Com as rendas conseguidas pelo Primavera, o dinheiro, se não era farto, pelo menos não era falto, em Hortênsia. Para o tamanho da cidade a platéia era de regular para boa e o tempo apresentava-se propício para a prática do esporte bretão (desculpem eu não ter podido me conter). Havia mais de quinhentos espectadores. A esmagadora maioria portando vistosas bandeirolas verdes com estrela branca.

O jogo foi surpreendente. O Primavera tentou impor o seu ritmo, mas o rapaz das pernas tortas estava, realmente, com o diabo no corpo. Ameaçava sair por um lado, saía pelo outro, jogava a bola no meio das pernas de Urbano — logo de Urbano, imagine! —, pegava do outro lado. Ao terminar o primeiro tempo o time de Pau Grande levava três gols de vantagem. Waldemar, o goleiro, não queria voltar para o tempo final.

— Ou vocês acertam aquele tortinho ou eu não volto, que eu sou um homem de idade e não estou aqui pra ser desrespeitado.

— Aquele cara é um demônio.

— Se é demônio, manda pro inferno.

— Calma — pedia Painho, mais preocupado do que todos. — No segundo tempo a gente reage.

— Só se for no tapa. Com aquele tortinho fazendo o que vem fazendo, isso não acaba nem em sete, nem em oito. A gente apanha é de vinte.

Severo, a quem cabia a marcação sobre o tal tortinho, já estava de roupa mudada.

— Botem outro no meu lugar que eu tenho que ir visitar um parente em Piabetá.

— E o segundo tempo?

— No primeiro tempo eu joguei os dois — e deu uma banana para os que ficavam.

—Aleijado. . . aleijado é vocês! Aquele tortinho é um exu.

Severo, no entanto, acabou ficando. Bastou Painho impor a força de um argumento para que as idéias se mudassem.

— Ou volta todo o mundo ou eu fecho o clube e suspendo a ajuda monetária.

Voltaram. O torto entortou ainda mais. Fez gol de letra, chutou de curva — coisa que até aquele dia nunca se soubera ser possível fazer —, deu passe de calcanhar, meteu gol de córner direto — olímpico, como dizem os locutores de louvável variedade vocabular.

Em síntese: um desastre total, catastrófico, apocalíptico, caótico, ridículo. A contagem não chegou a dez por desinteresse do time do tortinho. O representante da federação dava gargalhadas. Devia ter sido brincadeira tudo o que contavam desse time imbatível. Pode ser imbatível um time de onze que perde para um jogador apenas? E um jogador como aquele, de pernas que pareciam não se conhecer, tanto que uma se punha para leste e a outra para oeste? O homem da federação só não achou ter perdido a viagem porque seus olhos, que tinham ido a Hortênsia com a determinação de se pôr no time de verde, por deleite e gozação paravam no rapaz a quem chamavam Mane.

Ninguém contava com o que aconteceu mas de Painho, em Hortênsia, sempre se esperou tudo. Ele sentiu que a honra do Primavera estava sendo vilipendiada por um "aleijadinho" desajeitado. Tudo era admissível, menos a humilhação. O juiz não é a autoridade máxima? Não tem o comando absoluto? Não é soberana a sua decisão? E o juiz não era ele, Painho? Pois muito bem. Ele iria tomar uma atitude. Espezinhar seu clube, nunca! Tripudiar sobre uma novel agremiação social-esportiva de feitos históricos, jamais! Ninguém perdia por esperar.

A bola estava na linha média do Primavera, como sempre obediente aos pés de passarinho do rapaz de pernas tortas. E soou o apito do juiz. Ninguém entendeu. Falta, não houvera. Toque, muito menos, que a bola estava amarrada ao pé do tortinho. Pé é pé, mão é mão. Impedimento, nem pensar, se na área do Primavera estavam sete defensores do clube verde, tremendo na expectativa de mais uma arrancada daquele aleijado filho da mãe. Mas o juiz apitou, que todo o mundo ouviu. Mas por quê?

Painho, passos curtos e decididos, foi ao centro do campo, chamou Urbano, capitão do Primavera, ergueu seu braço como se faz com os boxadores e, fazendo sua voz aguda e penetrante ser escutada em todo o estádio, berrou com certo orgulho e olhar desafiante propositadamente posto no olhar espantado do homem da federação:

— Primavera ganhou por pontos!

E todos se retiraram do campo de jogo sem, pelo menos, cumprimentar o homem da federação e, muito menos, o rapaz de pernas tortas chamado Mane, que, antes de se dirigir ao caminhão que o levaria de volta a Pau Grande, sua cidade, num gesto de grande desportividade, fez questão de cumprimentar, um a um seus vencidos adversários:

Até outro dia, João; até logo, João; desculpe, João; obrigado, João; parabéns, João; até mais, João; disponha sempre, João; adeus, João.

Cara engraçado, esse Mane de pernas tortas! Gente boa. E nunca mais se ouvir falar nele."

Fonte: Batizado da Vaca - Chico Anisio

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